O Brasil é um país onde tudo pode acontecer. Talvez devido à impotência da economia de mercado e do Estado em satisfazer as carências da população, talvez pela própria miscigenação entre culturas e etnias diferentes, aí se pode assistir a algumas das transformações mais radicais registadas na indústria cultural desde o início do século. Alguns investigadores têm descrito esses fenômenos como característicos de um certo “jeitinho” brasileiro ou uma gambiarra, a capacidade de inventar, a criatividade que surge como uma reação não planeada aos problemas do quotidiano, mesmo que para isso se tenha que contornar a noção de legalidade e os costumes.
O que tem isso a ver com a Banda Calypso, o emblemático grupo do TecnoBrega de Belém do Pará? Tudo. Há mais de oito anos atrás, Chimbinha, o guitarrista e fundador da banda, ex-empregado de um mercado de pesca, encontrou-se pela primeira vez com Joelma Mendes para produzir o primeiro álbum a solo da cantora. O disco acabou por ser o primeiro assinado em nome da Banda Calypso. Nos primeiros tempos Chimbinha investiu todo o dinheiro que amealhou como produtor e músico de estúdio na carreira do grupo. Mas foi difícil fazer com que a música da banda chegasse às rádios locais e arranjar os primeiros concertos, a ponto de terem que tocar frequentemente de borla.
De 1999 para cá, o grupo já vendeu quase nove milhões de CDs e cerca de dois milhões de DVDs, sendo presença regular nos maiores programas de televisão do Brasil como o Domingão do Faustão da Globo. Hoje em dia, a banda tem mesmo o seu avião particular. E vocês sabiam que todo esse sucesso foi atingido sem qualquer tipo de apoio por parte de uma companhia discográfica? É verdade. Até hoje e seguindo o modelo de negócios abertos do TecnoBrega local, a Banda Calypso nunca assinou um contrato discográfico. Graças a essa independência em relação à tradicional economia de mercado, o grupo consegue vender milhões de discos a um preço extremamente baixo, recorrendo apenas aos vendedores ambulantes, os “camelôs” encarregados da distribuição dos CDs e DVDs nas ruas. Aquilo que alguns poderão designar de pirataria é um sistema que funciona com o total beneplácito de Joelma e Chimbinha, embora muitas vezes sem a sua autorização expressa.
A verdade é que os dois elementos da banda não encaram a venda de música gravada como fontes de receita mas sim como ferramenta promocional e todo o dinheiro gerado com os CDs e DVDs vai para o bolso dos “camelôs”. Em compensação, os concertos da banda – quase diários – chegam a ter 20 mil pessoas, realizando-se um pouco por todo o Brasil. No final dos espectáculos, o grupo aproveita para vender CDs e DVDs da própria actuação a que o público acabou de assistir. Recentemente, o duo também assinou acordos com cadeias de supermercados para vender pacotes de toda a sua discografia nos estabelecimentos comerciais.
A prova indubitável do êxito do caminho trilhado pela Banda Calypso através do contacto directo e pessoal com os fãs é uma sondagem efectuada pelo instituto de pesquisa Datafolha e encomendada pela agência de publicidade F/Nazca Saatchi & Saatchi cujos resultados foram publicados a 22 de Julho no jornal Folha de S. Paulo. A pesquisa que perguntou a 2166 pessoas de 135 cidades de todas as regiões do país qual era o cantor/cantora ou banda que mais tinham escutado ultimamente, tendo os Calypso sido o nome mais indicado, à frente de veteranos como Roberto Carlos e Ivete Sangalo que constituíram a sua carreira muito graças ao marketing e ao poder das grandes discográficas junto das estações de rádio e televisão.
Eu descobri essa informação através de um artigo da Paula Martini publicado ontem no iCommons, onde a investigadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas mostra como o sistema de economia informal oriundo da periferia do país conquistou o centro da indústria cultural brasileira, sem necessitar da “protecção” do direito de autor tradicional. através da distribuição livre e gratuita da música. Ou muito me engano ou esse “jeitinho” brasileiro, essa gambiarra ainda vai acabar por repercutir noutras partes do mundo.
TEXTO: REMIXTURES
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